A saga do anticoncepcional masculino

Historicamente, as opções de métodos contraceptivos são maiores para as mulheres em relação aos homens. Enquanto elas contam com controles de natalidade que vão de pílulas orais a adesivos e dispositivos intrauterinos, as únicas opções para o público masculino são a camisinha e a vasectomia. Os primeiros passos em busca de uma pílula anticoncepcional para eles foram dados ainda na década de 70. Quase vinte anos depois, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estudou a testosterona como uma forma potencial de contracepção, reduzindo a taxa de espermatozoides. O grande problema que ficou constatado no estudo era que, para realizar essa redução na produção de espermatozoides, eram necessários níveis altíssimos de testosterona, o que provocava diversos efeitos colaterais, como irritabilidade, oscilações de humor, ganho de peso, acne e até mesmo depressão. De lá para cá, muitas outras pesquisas foram realizadas, mas nenhuma obteve êxito. Em 2012, por exemplo, um estudo clínico necessitou ser interrompido devido aos efeitos adversos graves causados pelo medicamento analisado. Um dos pontos mais sensíveis de tudo isso, inclusive, está relacionado à testosterona. “Quando você começa a mexer com os receptores de testosterona, o corpo fica seriamente desequilibrado”, explica o diretor do programa de infertilidade e saúde masculina do Instituto Urológico Brady do Hospital Johns Hopkins, Amin Herati. Esse ponto acabou tornando-se alvo de movimentos feministas, já que as mulheres sofrem com as mesmas reações adversas ao consumir pílulas anticoncepcionais. Em relação a isso, Bobby Najari, professor assistente de urologia e saúde populacional e diretor do Programa de Infertilidade Masculina na N.Y.U. Langone Health, concorda com o ponto de vista apresentado, afirmando ainda que há um pouco de “dois pesos, duas medidas” em relação às pesquisas de anticoncepcionais masculinos, “pois as mulheres enfrentam os mesmos efeitos colaterais e até risco de coágulos sanguíneos”.

Nestorone pode ser a solução para o problema

Agora, um candidato que está sendo desenvolvido e testado por pesquisadores do National Institutes of Health e da organização sem fins lucrativos Population Council é um gel hormonal que contém uma progestina sintética chamada Nestorone, que bloqueia a testosterona natural e reduz a produção de espermatozoides. Para resolver o grande problema do desbalanceamento provocado pelos desníveis do hormônio no corpo masculino, o gel também contém uma reposição de testosterona para ajudar a manter o desejo sexual normal e regular outras funções. Diferentemente do que ocorre nos anticoncepcionais para mulheres, o Nestorone não funcionará por via oral. Em vez disso, ele precisará ser esfregado nos ombros diariamente, sendo absorvido pouco tempo depois através da pele. Assim como as pílulas para as mulheres, o gel precisa ser aplicado no mesmo horário todos os dias a fim de ter a sua eficácia garantida. O principal objetivo da equipe de pesquisa é obter contagens de espermatozoide abaixo de 1 milhão por mililitro de sêmen, já que estudos anteriores sugerem ser improvável que ocorra gravidez nesse nível. Para se ter uma ideia, em um homem fértil, a contagem normal de espermatozoides varia de 15 milhões a mais de 200 milhões de espermatozoides por mililitro. O Nestorone está sendo testado em um ensaio clínico de Fase 2 envolvendo mais de 400 casais. Mitchell Creinin, diretor de planejamento familiar da UC Davis Health, um dos locais do teste, diz que o gel parece extremamente promissor. Segundo ele, “até agora, o medicamento está fazendo a contagem de espermatozoides despencar e está impedindo a gravidez desses casais”. Ele conta ainda que os homens participantes do teste clínico estão muito entusiasmados com os resultados. “Uma das coisas que estamos vendo neste estudo é a percepção de quão importante isso é para os homens que estão em relacionamentos e se preocupam com suas parceiras. Fiquei tão impressionado com a quantidade de homens que realmente querem intensificar o relacionamento”, completa o especialista. Os ensaios de Fase 2, inclusive, são um dos momentos mais críticos em uma pesquisa. É nesta fase que o medicamento é testado em relação à sua eficácia e segurança, geralmente em centenas de voluntários, em busca de reações medicamentosas prejudiciais ou desagradáveis. É neste momento também que os principais problemas surgem. Lembra do teste interrompido em 2012 que mencionamos no início do texto? Foi exatamente aqui que ele precisou ser parado por conta dos muitos efeitos colaterais identificados. Os principais efeitos colaterais do gel identificados até agora são ganho de peso e problemas de humor. “Haverá uma pequena porcentagem de homens que terão algum tipo de efeito colateral, mas sabemos que isso também é verdade para muitos contraceptivos femininos diferentes”, diz Creinin. “Não estamos procurando o produto que funcionará perfeitamente para cada homem, mas sim procurando o produto que funcionará muito bem para a maioria das pessoas”. Agora, o gel precisará passar por testes em um ensaio clínico maior de Fase 3, que provavelmente incluirá milhares de casais. Também precisará de uma empresa farmacêutica para fabricá-lo e colocá-lo no mercado, já que o NIH e o Population Council não têm capacidade para comercializar medicamentos. Não há um prazo para que o produto chegue às prateleiras das farmácias, principalmente porque nenhum medicamento contraceptivo para homens chegou a esse estágio, então a Food and Drug Administration, órgão regulador equivalente à ANVISA dos EUA, terá que decidir qual nível de risco é aceitável antes de liberar a droga.

Pressão após o fim do direito ao aborto nos EUA

A pressão por um novo contraceptivo masculino cresceu após a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubar, no final de junho, a decisão conhecida como “Roe contra Wade”, de 1973, que garantia nacionalmente o direito ao aborto. Com isso, o tribunal devolveu aos estados o poder de definir se permitem ou não este tipo de procedimento. Especialistas acreditam que, com a mudança, metade dos estados norte-americanos decidam por proibir o aborto. A decisão colocou o tribunal em desacordo com a maioria da opinião pública americana, que era a favor da preservação da decisão Roe contra Wade, de acordo com pesquisas de opinião. Na ocasião, dos nove membros da Corte, seis votaram a favor da derrubada da decisão Roe contra Wade, enquanto os outros três permaneceram ao lado dela. “A situação da decisão da Suprema Corte realmente trouxe mais atenção da sociedade para a falta de contracepção masculina”, diz Heather Vahdat, diretora-executiva da Iniciativa Contraceptiva Masculina, uma organização sem fins lucrativos com sede em Durham, na Carolina do Norte, que financia pesquisas sobre controle de natalidade masculino reversível e não hormonal. “Penso que os homens querem ser parceiros mais engajados, mas eles simplesmente não têm as ferramentas”, opina ela. Como mencionado anteriormente, os homens contam com apenas duas opções confiáveis: usar preservativos ou fazer vasectomia. A questão é que ambos trazem alguns problemas. No caso da camisinha, apesar dela possuir uma eficácia de 98% quando utilizada corretamente, alguns homens a utiliza de maneira errada, fazendo com que a eficácia real caia para 85%, uma queda de mais de 10% na eficácia. E acredite, isso é muito. Já no caso da vasectomia, o procedimento não é facilmente reversível, o que acaba por assustar homens que ainda não têm certeza se desejam pôr um fim em sua fertilidade. Mesmo assim, o número de procedimentos cresceu nos Estados Unidos após o fim do direito ao aborto no país. Em apenas um centro onde o procedimento é realizado, as solicitações de consultas de vasectomia saltaram de 20 por semana para mais de 90.

Quando o anticoncepcional masculino chega ao mercado?

Essa é uma pergunta que ainda não possui resposta. Especialistas, no entanto, acreditam ser questão de tempo para que homens possam contar com um novo meio contraceptivo. Eles afirmam que, ao longo dos últimos anos, foram muitos os avanços na busca de uma solução eficaz. Aqueles mais otimistas dão um prazo de até cinco anos para vermos a novidade nas prateleiras de farmácias e drogarias. Aos homens, só resta mesmo aguardar. Veja também: Você conhece o autoteste de COVID-19? Nós fizemos uma matéria explicando onde comprar, quanto custa e como fazer o autoteste de coronavírus vendido no Brasil. Fontes: Wired, G1.

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